sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Da lama ao caos: a lição de Mariana

O nome Minas Gerais se deve à primeira atividade econômica desenvolvida no Estado: a mineração. Segundo informações do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM, 2015), o Estado é responsável por aproximadamente 53% da produção brasileira de minerais metálicos e por 29% de toda produção mineral do país. Atualmente, das diversas minas se extraem ferro, manganês, bauxita, gnaisse, quartzito, areia, ouro, pedras preciosas, calcário, mármore, fosfato, zinco, argilas, nióbio, caulim, quartzo, micas, águas minerais, entre outros. No entanto, tamanho potencial minerário ofusca o outro lado da questão, os impactos ambientais adversos. Na maioria das vezes, para se alcançar o recurso mineral, é necessário desmatar e remover o solo para realizar a lavra a céu aberto em bancadas ou em cavas. Os impactos são vários: extinção da biodiversidade, fragmentação de ecossistemas, eliminação de nascentes, alteração de cursos d’água, emissões de ruídos, geração de poeira, assoreamento de rios e alterações topográficas para construção das barragens de rejeitos e disposição final do material estéril (pilhas de estéril). Mesmo considerando as medidas mitigadoras e os monitoramentos exigidos pelos órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento e fiscalização, os riscos de acidentes não são desprezíveis.
Em Mariana (MG), o recente vazamento da barragem do Fundão, pertencente à empresa Samarco, não foi o primeiro. Na Zona da Mata mineira, já ocorreram acidentes semelhantes com rompimento de barragens contendo rejeitos tóxicos de fabricação de papel (lixívia negra) em Cataguases (2003) e rejeitos da lavagem de bauxita em Miraí (2006 e 2007). Esses vazamentos contaminaram os rios Pomba e Muriaé, atingindo, em sequência, o rio Paraíba do Sul. A poluição ultrapassou os limites de Minas Gerais e atingiu o Estado do Rio de Janeiro. Na época, a ministra do meio ambiente, Marina Silva, demonstrou preocupação com a falta de informações sobre o número de barragens de rejeitos em Minas Gerais e suas reais condições estruturais e de monitoramento. O acidente ambiental em Mariana deixou claro que o tema não foi levado a sério e, mais uma vez, os prejuízos (impactos adversos) recaíram sobre o ambiente e a sociedade. A lama avançou pelo rio Doce e provocou a extinção de peixes (ictiofauna), além de interromper o abastecimento urbano em cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo como Governador Valadares, Conselheiro Pena, Aimorés, Colatina e Linhares. No dia 22 de novembro de 2015, a lama, finalmente, atingiu o mar, comprometendo o equilíbrio dos ecossistemas costeiros do Espírito Santo. No litoral, o turismo (praias) e a pesca também foram afetados prejudicando as comunidades capixabas que dependem diretamente dessas atividades econômicas.
Não somos contra a mineração, mas o balanço ambiental que fazemos da atividade no Estado não é positivo. Afinal, o que fica para Minas Gerais? O que sobra para Mariana e seus distritos? Aqui fazemos coro com o ilustre poeta de Itabira, Carlos Drummond de Andrade (1992), que sempre demonstrou preocupações e desencantos com a mineração, atividade que lhe subtraia a paisagem: ...“Britada em bilhões de lascas deslizando em correia transportadora entupindo 150 vagões no trem-monstro de 5 locomotivas - o trem maior do mundo, tomem nota - foge minha serra, vai deixando no meu corpo e na paisagem mísero pó de ferro, e este não passa” (trecho do poema “A Montanha Pulverizada”).
O que aprendemos com a “lição de Mariana”? É notório que a responsabilidade pelo acidente é da empresa Samarco, mas, e os órgãos ambientais? Ocorreram falhas na aplicação da política ambiental, principalmente, no que diz respeito a um maior rigor na fiscalização, na renovação de licenças de operação e na exigência e análise do plano de ação emergencial.
As populações que moram a jusante de barragens de rejeitos, encontram-se em situação permanente de vulnerabilidade, condição que exige atenção especial dos órgãos ambientais, dos Poderes Públicos, da Defesa Civil e do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM, 2015), cuja função é fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo território nacional. No entanto, esses órgãos precisam ser mais proativos e firmes na aplicação da legislação ambiental e do Código de Mineração, só assim evitaremos a reincidência desse tipo de acidente.

Referências
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1992. DNPM. Institucional. Disponível em: www.dnpm.gov.br – Acesso em 13/12/15.
IBRAM. Informações sobre a economia mineral do Estado de Minas Gerais. Disponível em: www.ibram.org.br – Acesso em 30/12/15.


OBS.: artigo modificado a partir do original publicado no jornal Tribuna de Minas em 15/12/15.


Gerson Romero de Oliveira Filho (Geógrafo, Especialista em Ensino de Geociências, Mestre em Geografia e professor do curso de Ciências Biológicas do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora – CES/JF).